sábado, 22 de junho de 2013

TEXTO: Previsões para 2014; chuva de apatia.


"A seleção entra em campo entrajada de verde-e-amarelo desde as vestes até a profunda alma. É possível sentir a vibração da torcida de olhos fechados. O alvoroço samba nos meus ouvidos como um desfile de carnaval. Consigo ver, mesmo que de longe, a expressão facial dos torcedores na arquibancada. Consigo sentir, mesmo que do outro lado da realidade, os seus corações batendo em ritmos iguais e suas respirações secas chicoteando os pulmões. O magote verde-e-amarelo no campo agora está em perfeito alinhamento, como em uma marcha. Seus sorrisos que eu podia jurar ser verde-e-amarelo (não são. Juro, não são!), vão de orelha a orelha anunciando a mais arrogante lisonja de estar ali presente sendo reverenciado por tal povo.

Ouço o soar das trompetas. Inicialmente fracas, mas em dois segundos já a todo fervor. O povo rende-se. Com a mão direita sobre o lado esquerdo do peito, começam a mover os lábios sincronizadamente.

É o hino nacional! É o grito de glória dessa pátria tão, mas tão amada!

O Brasil praticamente paralisa-se com o intuito de participar, de desfrutar, de se entregar a esse momento de total empatia. O Brasil para, porém aqueles que têm a barriga doendo de fome, não. E aqueles outros que estão sendo amaldiçoados por tempestades também não. E vejamos, todos aqueles que me imploraram por centavos e eu os ignorei na rua, também não deixam de lado seus sofrimentos para vivenciar esse tempo de harmônia. E os seus deleites cotidianos não passam de desfrutar do inferno que mais já virou rotina.

Olhos cansados, mãos frias, almas em intensos processos de congelamento. Vítimas que vêm que temos que amar a pátria sem o menor comprometimento da própria em nos amar de volta. São aqueles mórbidos que sentem na carne a dor do desprezo por parte de toda a sociedade. Eles que vomitam todos os dias as suas esperanças não assistem a mídia proclamar de peito cheio o “avanço” que nosso país está dando. Eles não assistem a querida “presidenta” apertar a mão de meia dúzia de pessoas relevantes e mostrar que a paz reina aqui, eles sentem isso impregná-los todos os dias. “Não existem guerras no Brasil, somos privilegiados pela paz” é o que dizem aqueles malditos no poder. É o que todo mundo diz. Mas e a guerra consigo mesmas que centenas de mães precisam ter toda manhã para dizer a seus filhos - que berram de fome - que a casa está escassa de alimento mais uma vez? Mas e a paz espiritual? Ela não é importante? Me diga, Rousseff, onde há paz em um coração destruído ao ver seus entes queridos morrerem repentinamente por falta de assistência médica? E aqueles, querida Dilma, aqueles que sonham em ser o futuro da nação, porém a realidade, a falta de escolaridade, a pouca educação que nos é fornecida por você e seu tão magnífico governo não os prepara para tentar? Porque são eles que estão entrajados de cinza até a alma, Rousseff, enquanto você desfruta do verde-e-amarelo. São eles e não você. São eles os atingidos pelo sistema. São eles que foram golpeados em cheio e não têm a chance de revidar. São eles que enxergam a vida cinza e cruel enquanto você vê céu risonho e límpido. Porque infelizmente, é o seu bosque que tem mais vida, Rousseff… O deles tem morte súbita e constante.

Mas quem são eles, não é mesmo, sociedade? Em que eles importam agora? “Eu nem sei os seus nomes!”. O que realmente importa lá no fundo é fazer com que questões irrelevantes como futebol tenha mais repercussão do que a fome e a pobreza. O que realmente é válido é fazer com que a maioria acredite que o Bolsa Família está reconstituindo sonhos e vidas, que na verdade só se degradam mais e mais. “Vamos encobrir toda essa ladainha e fazer de conta que não existem problemas, pois todos os problemas devem ser esquecidos agora, afinal, a vida é verde e amarela, a vida é linda!”. A miséria daqueles não é importante enquanto se houver uma bola para correr atrás e se importar. Os olhos famintos não nos devoram. A desgraça deles não nos atinge. A tristeza não é conosco compartilhada. Então, esquece, deixa pra lá e presta atenção no campo.

E é aqui nesse paradoxo que vemos a realidade dançar diante nossos olhos nus:

Possuímos condições de sediar a Copa, mas não possuímos condições de sediar à nós mesmos uma sequer faísca de “amor ao próximo”.

Ovacionem a pátria amada enquanto ela te amar. Para aqueles desprivilegiados de sua proteção, o sol não brilha, arde."

Camila Verônica Freire.

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